Elas estão descontroladas

OsascoNo jogo da final do último Campeonato Paulista entre Sollys/Osasco x Amil/Campinas, a torcida laranja visivelmente intencionada em provocar a cubana Ramirez, oposto do time de Campinas, entoava  um famoso funk sempre que ela pegava na bola: “ah, que isso, ela está descontrolada”. E não deu outra: Zé Roberto precisou substituí-la.

O técnico do Amil e da Seleção Feminina conhece mais que ninguém essa que é umas armas mais poderosas no vôlei feminino: a pressão psicológica. De nada adianta estudar o adversário, conhecer a bola de segurança da levantadora, ter volume de jogo se o lado psicológico das jogadoras desandar em meio a uma partida.

O jogo que fechou o primeiro turno da Superliga entre Unilever/Rio x Sollys/Osasco foi o retrato fiel dessa fragilidade. Considerada uma das maiores pelejas de vôlei feminino do mundo, o duelo envolve um histórico equilibrado de vitórias para os dois lados, rivalidade entre as jogadoras (em sua grande maioria “selecionáveis”) e torcidas e dois técnicos indiscutivelmente consagrados. Por tudo isso, o jogo deveria denotar o alto nível de concentração e preparo das meninas, o que não aconteceu.

A Unilever levou a melhor e venceu por 3×2, com parciais de 18-25, 25-21, 25-23, 14-25 e 15-8. Olhando o placar de um jogo que vai para o tie-break, a primeira reação é pensar num duelo competitivo e equilibrado – que infelizmente não aconteceu. Foi um grande jogo, certamente, com muitas estrelas em quadra e lances geniais. Mas o desequilíbrio emocional das jogadores fez com que os times se alternassem no placar transformando cada set num jogo completamente diferente. As equipes sofreram apagões inexplicáveis a ponto de um telespectador despercebido que ligasse a TV no meio do quarto set (25 a 14 para o time laranja), pudesse acreditar que as paulistas estavam dando uma levada nas cariocas.

RioNem a experiente levantora Fofão escapou do estigma psicológico. Quase irreconhecível nas primeiras bolas, fez vários levantamentos baixos e fora da rede. Chegou a tomar bronca de Bernardinho, fato raríssimo de acontecer. No final do jogo, figurando perfeitamente a bipolaridade à qual me refiro, foi eleita a melhor em quadra.

Outro caso que entra para o ranking das descontroladas é Logan Tom, ponteira da equipe do Rio. Depois da final Olímpica em que o Brasil atropelou os EUA, a jogadora nunca mais foi a mesma. Basta comparar os jogos anteriores da seleção norte-americana ao jogo da final e aos posteriores. Irreconhecível! Tom, que chegou com status de salvadora da pátria, foi substituída no jogo logo no início do segundo set e amargou o banco pelo resto da partida.

Com a vitória, o Rio sagrou-se campeão simbólico do primeiro turno. Amanhã (dia 19), as cariocas enfrentam o Amil/Campinas, num duelo que tem tudo para ser um dos “novos clássicos” da Superliga. Mas pelo menos por enquanto as jogadores ainda não assimilaram essa informação como “oficial”, o que dá boas chances de não termos tantos apagões em quadra, já que o Osasco bateu o Campinas no meio da semana por um sonoro 3×0, virando placares adversos nos finais de set sem tomar conhecimento que do outro lado tinha um time à sua altura.

O Osasco é penta

Depois do último jogo da semi-final feminina que classificou o Rio de Janeiro, a sensação foi unânime entre todos que acompanham o vôlei. Nunca mais na história deste país haverá uma final da superliga diferente. O maior clássico mundial entre clubes do vôlei feminino se repetiria mais uma vez.

O que se viu neste sábado, porém, foi um jogo diferente. A começar pelo placar: 3X0 para uma final de superliga com esses dois times é surpreendente. O Osasco massacrou e o Rio não esboçou sequer resistência. Com uma linha de passe perfeita (contei apenas um saque do Rio que quebrou a recepção de Osasco), Fabíola trabalhou com a bola na mão em todas as jogadas. Utilizou muito bem as centrais e as bolas rápidas de ponta. Nas bolas de segurança, Hoocker estava lá, impecável. O que dizer dessa atacante? É lindo vê-la jogando: passa por cima do bloqueio em quase todos os ataques, que têm uma plástica belíssima. Os movimentos são perfeitos, o braço vem de trás e consegue executar a volta completa até que bata na bola, cravando na quadra adversária.

E não é só de gigantes que vive o Osasco. Camila Brait irretocável no fundo de quadra. Pegou todas as bolas, deu volume de jogo ao time. Mostrou que está na hora de José Roberto Guimarães repensar na titularidade da líbero da seleção. Jaqueline, apesar de uma atuação apagada no ataque, revelou estar no momento mais maduro da carreira. Quando ela sabe que não é o seu dia no ataque, colabora no fundo de quadra e faz o Osasco ter um volume de jogo incrível.

O Rio, apesar de ter Venturini, não conseguiu suprir sua deficiência no passe, e aí, não há craque que faça milagres. Sheila jogou muito, virou as bolas importantes de sempre, mas não foi suficiente. Merecidamente, o Osasco conquistou seu penta campeonato da superliga.

Alguns detalhes extra-quadra:

– Bernardinho, pra não perder o costume, esbravejou. Disse aos repórteres que o título de melhor levantadora deveria ser de Fernanda Venturini e a que a federação deveria homenageá-la pelos serviços prestados. Desculpa, Bernardo, mas essa superliga foi da Fabíola. Impecável na final e visivelmente mais madura. Concordo com a homenagem à Venturini, mas quem garante que desta vez a aposentadoria é definitiva? Já foram quatro. Ainda temos tempo hábil para que esse reconhecimento seja feito.

– o patrocinador do Osasco, a Nestlé, preparou camisetas especiais para a comemoração, mas cometeu uma gafe. A inscrição dizia: Bi-campeão, referindo-se aos títulos ganhos pela equipe sob o patrocínio da empresa. Muito bacana a ideia da camisa e o apoio financeiro ao time, mas a Nestlé não pode ignorar a história de 15 anos dessa equipe. O Osasco é penta!

O paradigma do levantador polêmico

Não era o dia dele, o Vôlei Futuro tomou um sonoro 3×0 em casa e, mesmo assim, aquela necessidade gratuita de atenção veio à tona de novo. Ricardinho, o levantador das polêmicas desde tempos de seleção brasileira, voltou a aparecer.  No terceiro set, depois de virar uma bola de segunda, o levantador provocou Dante, ex-companheiro de seleção e riu de maneira irônica e prepotente do time adversário.

Boatos dão conta de que ele aguarda a convocação para a seleção, depois de um longo inverno distante por causa de brigas internas com os companheiros e com o próprio Bernardo. Culpado por ter ‘rachado’ o grupo, ele parece não ter se redimido. No Vôlei Futuro, as orientações do técnico Cesar Douglas são visivelmente ignoradas e o levantador parece ter total controle sobre o time.

Casos de polêmica na posição não se restringem só a ele. No feminino, Venturini também leva a fama de ‘não bem quista’ no meio. Nas Olimpíadas de 2004, durante um de seus retornos de aposentadoria, encabeçou o movimento que ‘queimou’ a ponteira Mari, jogando sobre ela a responsabilidade pela derrota e instaurando a crise na seleção, depois daquele jogo fatídico e da eliminação contra a Rússia.

Nas seleções feminina e masculina, a sucessão dos levantadores parece seguir – ironicamente – uma ordem inversa de características. Maurício, o precursor de Ricardinho, fazia o estilo bom moço, jogador agregador de equipe. A mesma postura de Fofão, que assumiu a posição quando Fernanda se aposentou. Atualmente, com as instabilidades nas posições das duas seleções (Fabíola e Dani Lins / Bruninho e Marlon), ainda não se pode decretar o veredicto. Mas as cenas dos próximos capítulos dirão se Bernardo vai optar por um time fechado e consolidado ou dar o braço a torcer e lidimar Ricardinho como o melhor do mundo na posição.

A saga do politicamente correto chega ao vôlei

Pra quem gosta de vôlei, a terça-feira foi um dia fantástico. Os playoffs da superliga feminina – a mais disputada desde anos, dizem os especialistas – estão a todo vapor. E tudo transmitido pela TV (fechada, ok), espaço que antes era reservado apenas para os jogos principais. Começou às 16h e pouquinho com o jogo “teoricamente” mais fácil. O Unilever, 2ª colocado, enfrentou o Mackenzie, 7º e, apesar das duas derrotas seguidas do time carioca, ainda era considerado imbatível.

Algumas coisas que estamos acostumados voltaram a aparecer nesse jogo: o Bernardinho, personagem sempre à parte de qualquer jogo, estressadíssimo como de costume. E a Mari, relembrando alguns de seus jogos marcantes, tendo apagões novamente. Fazia tempo que eu não assistia crises tão intensas assim do Bernardinho. Fase ruim do time, o estresse é maior. Me fez lembrar da época em que ele dirigia a seleção feminina. E mais, lembrou a todos que, apesar dele comandar a seleção masculina atualmente e manter seu prestígio com a CBV, ele toma cartão amarelo e recebe notificação pelas vociferações que fez depois do jogo contra a arbitragem.

Apesar da inquestionável campanha do Unilever ao longo desses anos, o time segue sustentando a sina da prepotência entre os demais concorrentes.  Ironia do destino ou não, no 4º set, quando o Mackenzie já caminhava para a vitória e, assim, fechar o jogo por 3×1, pôde-se ouvir do banco de reservas do Unilever um auxiliar bradando: “mais humildade, meninas, mais humildade. Vamos virar”. Resultado: as cariocas conseguiram fechar o set. Mas não o jogo.

Sem dar corda pro falso moralismo, porque, afinal, acho que algumas estrelas do Rio jogam pra caramba mesmo (casos da Venturini e da Sheila), uma novata do Mackenzie deu um show de bola. A Gabi, de apenas 17 anos, chamou a responsabilidade, não temeu as selecionáveis do outro lado e ganhou o troféu Viva Vôlei no fim do jogo.

Num outro duelo da noite, o Vôlei Futuro enfrentou outro time mineiro em Araçatuba, o Praia Clube. Apesar da minha falta de simpatia pelo time da casa (pra mim é o Real Madrid do vôlei brasileiro), era visível a superioridade das paulistas. O que não se refletiu em quadra. O Vôlei Futuro suou para vencer por 3×2.  Mas apesar da instabilidade das duas equipes, o fato que mais repercutiu na mídia depois do jogo foi uma discussão entre o Paulo Coco, técnico do Vôlei Futuro, e a ponteira Fernanda Garay.

Num dos tempos técnicos do último set, vendo o time totalmente desequilibrado e sem garra, Coco chamou Fernanda de lado e teve uma conversa mais “exaltada”, chegando a segurá-la pelo braço e chacoalhar a atleta. Pra quem assistia ao jogo como eu, nada mais normal no calor do momento. Os repórteres que o entrevistaram no final da partida também expressaram a mesma opinião. Alguns veículos de imprensa, entretanto, acharam aquilo um absurdo, o que levou o técnico a ter que se desculpar publicamente por meio de uma nota oficial.

Essa história do politicamente correto me incomoda bastante e às vezes ultrapassa seus próprios limites. A opinião pública tem esse conservadorismo, mesmo? O fato dos jogos passarem a ser mais televisionados vai influenciar cada vez mais nesse moralismo? O que seria do saudoso Karpol nos dias de hoje? E o próprio Bernardinho – conhecido carinhosamente como Karpolzinho – diferiu em que do Paulo Coco?

Não espero grandes surpresas nestas quartas-de-final. Acho que os quatro grandes passarão adiante (Osasco, Unilever, Vôlei Futuro e Minas). Mas esta última terça-feira reviveu tempos de glória do esporte.

Alguns vídeos do Karpol para degustação:

Virada da antiga URSS contra o Peru em 1988, Seul

Karpol x Sokolova